Nota – Paulo Sette Câmara morre aos 84 anos
Categorias: Profissionais de segurança pública
Autor(es)/Pesquisador(es): Jésus Trindade Barreto Júnior
Tags: falecimento
Tipo de publicação: Nota de falecimento
Ano da publicação: 2020
A visão política sensível e a apurada habilidade no trato com pessoas e instituições conduziram o policial a assumir cargos importantes no setor em sua trajetória
A COVID-19 levou Paulo Sette Câmara no último domingo (11/5). Ao longo de seus 84 anos, Paulo foi detetive (sim, a nomenclatura era esta) da Polícia Civil de Minas Gerais e, mais adiante, agente e delegado da Policial Federal. Por força de seu desempenho, sensível visão política e apurada habilidade no trato com pessoas e instituições, a história o conduziu a posições de importância, como inspetor de investigações, superintendente regional da PF em alguns Estados, duas vezes secretário de segurança do Pará e também do Estado de Roraima. Convenhamos, experiência para poucos.
Mas Paulo não acumulou essa experiência longe de sua sofisticada capacidade de crítica e autocrítica. Ele percebeu, desde a juventude, que as visões policialescas não poderiam ter lugar na oferta de segurança aos cidadãos. Por isto, soube compreender como poucos a importância decisiva das políticas públicas inovadoras. Nos anos 90, como Secretário de Segurança do Pará, deu curso a um processo de integração dos órgãos de segurança pública, numa leitura técnica de grande força criativa, expressa num modelo sistêmico ousado e funcional.
Esta e outras ações vieram de sua abertura incondicional para o diálogo com a crescente produção científica no campo da gestão policial. Em razão desta postura, nunca voluntarista, protagonizou outros episódios relevantes na implantação de serviços qualificados, sempre orientados pelo compromisso ético com a redução dos efeitos perversos que sempre vêm no rastro da violência e da criminalidade. Foi decisivo em muitas ocasiões tensas, evitando que consequências das más escolhas políticas aumentassem o sofrimento da população e a degradação do poder público. Muito de tudo isso está relatado em recente entrevista publicada em livro editado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública sob o título “Polícia e Democracia: 30 anos de estranhamentos e esperanças” – texto reproduzido nessa edição do Fonte Segura.
Mineiro de nascimento, e paraense por adoção, Paulo tinha devoção amorosa por suas raízes nesses dois belos estados brasileiros. Falava com sentido poético de sua infância na região mineira de Santa Cruz do Escavaldo (próxima de Mariana, Ouro Preto e Ponte Nova) e da sua profunda emoção em se integrar, ano a ano, às manifestações da fé popular do Círio de Nazaré. Cultuava o Círio com a mesma sensibilidade que legou àquela manifestação o título de patrimônio cultural imaterial brasileiro e patrimônio cultural da humanidade. Assim, Paulo Sette Câmara foi expressão de uma distinta brasilidade: um mineiro-paraense. Foi um brasileiro autêntico.
Nos meados dos anos 2000, tornou-se um dos primeiros policiais a ser convidado pela Professora Elizabeth Leeds para as articulações de fundação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Liz sabia que a autoridade de trajetória do Sette seria sustentação para um dos princípios essenciais da entidade: a aproximação dialógica, franca, aberta e institucionalizada, no plano não governamental, entre pesquisadores, sociedade civil e policiais brasileiros.
Paulo foi – como tem sido – o testemunho de que policiais, inclusive os veteranos, precisam ter sempre em perspectiva o aperfeiçoamento da polícia como instrumento da democracia e da promoção de direitos. Era um exemplo de que a polícia deve ser um mecanismo de defesa dos direitos individuais e coletivos, razão pela qual é institucionalmente portadora da força legitimada pela lei.
Como vem fazendo nos seus 14 anos de existência, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública nasceu buscando distensionar aqueles estranhamentos de que fala o livro. Paulo Celso Pinheiro Sette Câmara, ao se fazer presente na fundação da entidade, foi o nome certo para representar todo este processo de significações históricas no contexto das conquistas democráticas. Por isto, foi presidente do Conselho de Administração por duas vezes, fomentando e participando com entusiasmo de todas as ações da entidade, desde o início até os dias de hoje. Vamos sentir muita falta dele. Reverenciamos a memória do grande amigo e seguiremos buscando inspiração em sua vida.
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